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quinta-feira, 26 de maio de 2022

Não há perfeição que nos acomode.

 


 Ouvi essa frase durante algum diálogo - não lembro mais se em algum podcast ou na TV - e me levou a algumas interpretações:

1. O estado de perfeição não é confortável;
2. Se existe a perfeição, sempre vamos querer ir além dela;
3. Não há perfeição e por isso ela não pode nos acomodar. 





Não sei qual a melhor interpretação, mas sinto que a busca pela perfeição pode ser mais desconfortável do que a chegada. O não-perfeito, de certa forma, nos paralisa. Enquanto não estivermos perfeitos, não saímos do lugar, não damos o primeiro passo. Não damos a cara à tapa, porque tem muita gente fazendo isso perfeitamente, menos nós. E, assim, adiamos nossos projetos por anos. Foi assim que, por tantas vezes, deixei de apresentar uma ideia, por achar que era rasa demais. Até um ser, mais perfeito do que eu, ter mais coragem e apresentar a mesma ideia. O não-perfeito nos apequena e reduz ao pó. Pra quê publicar um texto, com tanta gente perfeita escrevendo textos maravilhosos por aí? Quem haverá de parar para ler um texto imperfeito sobre a não-perfeição?

Eu, que não lavo o cabelo todos os dias, que não tenho paciência pra fazer unha em salão toda semana, que deixo escurecer a raiz do cabelo, só posto foto na academia duas vezes  - que é quando tenho coragem de ir. Eu, que deixo para parabenizar meus amigos depois e esqueço. E aí, me envergonho por parabenizar com atraso, deixo pra mais tarde e esqueço novamente. Eu, que levo horas pra tomar banho depois de chegar em casa. Eu, que aos 28, ainda não sei fazer feijão. Eu, que não tenho uma letra bonita. Eu, que me sinto insegura ao fazer baliza. Eu, que já usei o cheque especial. Eu, que não sou produtiva os 365 dias na semana. Como é difícil não ser perfeita como eles. Fernando Pessoa, na pele de Álvaro de Campos já sofria desse mal. Somente ele era vil e errôneo em meio a tantos semideuses. 

Não quero romantizar a imperfeição, mas não há perfeição que nos acomode. Eu nunca a conheci de perto, porque somos seres insatisfeitos, errantes e inacabados. Alcançando a perfeição, talvez estejamos prontos: para partir. E será o fim da linha. 


Leiam: http://arquivopessoa.net/textos/2224
Escutem: https://www.youtube.com/watch?v=OCdh6BYIPUk


segunda-feira, 23 de maio de 2022

Então escrever também nos prende?

 

Quase seis anos depois, volto com o mesmo discurso: que bom que não apaguei.
Me reencontrei por aqui. Tenho sentido a pulsante necessidade de escrever.
Vez em quando, sobre nem sei o quê. Mas a escrita me conecta com o mundo. Organiza meus pensamentos, talvez por isso, papel e caneta façam parte do meu kit sobre(vivência). Na correria do dia-a-dia, tem hora que preciso parar e escrever alguma coisa. Nem que sejam listas. Nem que seja alguma palavra que acabei de falar. Nem que seja meu próprio nome. E parece um resgate. Parece que me tira do caos e me traz de volta ao ponto exordial.

Lembrei de que criei essa página lá pelas bandas do Ensino médio, enquanto estava em crise comigo mesma, vivendo minha juventude questionadora e dramas jamais vistos - quem dera eles fossem os maiores. Sorri: de mim mesma. Chorei de emoção.

Escrever é também um ato de coragem. Uma forma de se despir. Um abrir de portas pra que o outro entre. A licença pra que alguém te interprete. E quem dá conta dessa interpretação, se cada um parte de um lugar no mundo?

Então escrever também nos prende? Não sei. Mas o óbvio também não mora no não dito. 

Paguei meu próprio resgate. Volto para onde nunca saí. Abrindo portas pra que outros entrem. Não dou conta da interpretação de quem me lê, mas dou conta de quem quer abrir a porta.

Quer entrar e tomar um café?

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Maria. Mas isso ainda diz pouco.



              
       Há pouco tempo percebi que este blog, talvez, tenha sido, involuntariamente, uma das melhoras ideias que já tive. É uma viagem contínua de retorno a mim mesma. Há quatro anos - ou um pouco mais - esse blog foi criado com o objetivo, ou melhor, sem objetivo algum: apenas para que eu pudesse escrever. Uma forma de pôr para fora o que o coração às vezes teima em falar. 

        Quase quatro anos depois vejo e revejo o tanto de mim que ainda há em mim e o quanto, ao mesmo tempo, tudo mudou. Maria mudou em relação ao mundo, o mundo muda o tempo todo em relação à Maria. Nas entrelinhas vou percebendo o quanto de mim deixei aqui e volto pra buscar. A gente permanece nessa eterna busca, né?

          Estava redigindo o Trabalho de Conclusão de Curso e, "tcharam", parei tudo pra me encontrar. Aqui. Como costumei fazer por tanto tempo. Tempo esse que, desde 2012, quando iniciei a faculdade, foi sendo ocupado de outra forma. Aos poucos tudo vai se transformando e a gente nem percebe. É clichê. Muito. Mas não há verdade maior. Somos instantes. E isso fica cada vez mais claro.

         Num momento de fragilidade, me emociono ao ver e relembrar os momentos exatos em que eu me dedicava a escrever, além de perceber que algumas pessoas acompanhavam de longe e me pediam pra continuar escrevendo. Agora enxergo que, por muito tempo, abri as portas do meu mundo e dei licença pra quem quisesse entrar. Essa porta, por sinal, eu não fecho. Por mais que algumas coisas sejam engraçadas e, até sem jeito, eu não me permito apagar, tirando mais uma parte de mim, dentre tantas outras que se foram.

          A convicção de que precisamos - sempre - de algo para nos reencontrar não sai da minha cabeça. Amigos, músicas, cartas, fotografias, qualquer que seja o meio, será sempre necessário. A nossa letra muda, os nossos sonhos mudam, nossas reações e medos tornam-se outros. Enquanto escrevo, as músicas que selecionei há quase três anos permanecem aqui, como uma conversa minha comigo mesma e "pode ser cruel a eternidade... eu ando em frente por sentir... vontade".

            
           


     

domingo, 1 de junho de 2014

I'm a cycle.






                      Curiosa a forma como mudamos, santo Deus. Há tempos não parava pra observar a mim mesma, paradoxalmente, me analiso a cada dia. Mas, sobretudo nas palavras, vejo o tanto que mudei. Engraçado a forma como não me envergonho, mas acho graça em todas as meninices que escrevi quando, na época, não me achava menos que uma escritora da minha própria vida. E, sim, amadureci. Menos que amanhã, provavelmente. Ou o contrário, quem sabe?! Aprendi a ser Maria: sendo. Isso é, e sempre será difícil de entender. Mas, olha, não me perdi de mim.

                  O que eu sei dessa vida? Não sei. E não quero. Não parei de fazer planos, mas meu futuro é sempre mais próximo. Nada de anos mais tarde. O que farei amanhã, talvez nem planeje. Eu continuo sendo uma contradição, isso não mudou. Mas sou mais leve, exceto quando me vejo cercada de cobranças, impostas por mim mesma. Uma lágrima aqui, outra ali, nem sempre é TPM, quem nunca?!

                  Sou mais breve com as palavras. Concisa e consistente. Esse aqui é o meu cantinho, meu ponto de observação. Hoje acho graça, amanhã, talvez, bem menos. Minha música preferida não é a mesma; meu filme, sim. Amigos passaram pelos que ficam, normal. Ciclos, lembra?! Minha liberdade ainda é a escrita. Claro que sim, não deixei de ser eu. Só algumas vezes. Mas sou Maria mais que ontem, e gosto assim. Em casos de dúvidas, procuro lembrar que, assim como esse Blog, tantas vezes é a vida: em casos de emergência, nem sempre voltar a página. 




sábado, 11 de maio de 2013

A rima de Maria.

   




       Escrevi uma carta ao padeiro da esquina, agradeci o pão quentinho de cada dia, não reclamei do tamanho, desejei coisas grandes e muito fermento na vida. Ao Zé da carne, agradeci a boa higiene, não reclamei do preço, desejei fartura. À manicure -com os dedos doloridos- escrevi agradecendo-lhe os hidratantes, não reclamei dos "bifes", desejei muitas mãos amigas. Ao João do relógio, agradeci pelos ponteiros, não reclamei da hora, desejei muito tempo livre. Ao Tom do violão, agradeci os arranjos perfeitos, não reclamei do desafino, desejei novas canções. À Antônia do bordado, agradeci as linhas curvas, não reclamei dos buracos feitos, desejei novas costuras. Ao melhor amigo, agradeci a paciência, reclamei da distância, desejei boa memória. A mim mesma, agradeci a luta, não perdoei - ainda- os erros, desejei fé e boa conduta. Ao Chico, mais conhecido como poeta, somente agradeci: "Obrigada, Chico", escrevi. E assinei: Eu, Maria, que não rimo com nada, ao ler o que escrevias, chorava, mas também sorria.


Percebi, então, que posso ser rima, em qualquer estrofe perdida.

Passageira.

                         


                                    Toda nuvem que passa
                             cinza molha
                             chuva dura e dura
                             passa, porém

                             Depois que a chuva passa
                             a chuva dura 
                             passa e dura
                             a felicidade vai além

                             Nem sempre a nuvem é
                             chuva também
                             se chuvisco passar e 
                             for, amém.


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Nem toda chuva cai do céu.


segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Maria, o poeta e o mar.

    Quem a via de longe, já reconhecia. Com um fone no ouvido, andava chutando pedras e carregando livros. Levava nas costas umas mochila velha e vazia, dizendo carregar felicidade. Tropeçava a cada três passos, roubava flores secas pelo caminho. Cantarolava Beatles e Jovem guarda, misturava ritmos e letras. Cambaleando e dançando, todos já sabiam: lá vem Maria!
    Maria não fugia de ninguém, a não ser de si mesma. Desafiava o mundo com seus dezessete medos. Fazia poesias com sua própria dor. Criou rimas com palavras novas, fez nascer flores em casas cinzas, cultivou Amor-perfeito em seu jardim. Maria tinha a força de uma mosca e a valentia de um leão. Se contradizia em suas próprias estórias, mas era verdadeira e abusava do senso crítico. Fez viagens sem sair do lugar, e conheceu pessoas de todos os cantos. Sempre buscou aprender coisas novas e fotografava o céu, sempre às cinco e quinze, sem olhos de vidros ou cartão de memória. 
    Toda palavra de amor a derretia, todo coração a pertencia, toda canção ninava. Todo sentimento ela sentia. Se havia frio, tremia. Se houvesse flor, cheirava. Maria tinha medo do devir de tanta gente.  Lia Bukowski e chorava, lia Leminski e sorria. Ninguém entende: "como é que pode, Maria?"
     Feita de sonhos, dormia já acordada. Não tolerava quem confundia fé com vontade e Cristo com religião. Maria nunca quis ser grande, embora já fosse. Um dia, ultrapassou o sinal vermelho e atropelou seus próprios planos. Nesse dia, a lua pareceu menor, o vento foi composto de notas musicais. Às cinco e quinze, o céu chorava... chovia. E enquanto o "mar ia", todos sabiam: lá vai Maria!